quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Do outro lado do espelho


O fulgor dos faróis dos carros refletido em seus olhos dava-lhe um toque de esperança, enquanto ela contemplava o céu soturno. Ela respirava bem devagar, dissimulando calma, controlando as batidas do coração, sentindo o pensamento explodir, e como uma lava percorrer todo o corpo. Passava tudo isso, e nada de tudo isso a pronunciava nada, tudo era oco, maquinal, inconsciente.

Sophie era refem de uma desordem dissociativa. Face à diferença ontológica entre o ser e os entes, entre ela e o ela mesma. Cujo dilema entre o existir e o pensar se projeta sobre o pano de fundo da morte e do trágico como finitude radical dela e de todas as coisas - o cansaço que trazia consigo era fruto do despropósito das coisas em sua vida.

Sentada na beira da calçada, com um copo de uísque na mão , Após dar um longo gole em seu uísque, virou para o lado, encarou a mulher sentada ao seu lado e disse:

_ Eu pareço real?

_ Por que queres saber se parece real? - respondeu a mulher olhando para o lado oposto da rua.

_ Se me sentirem real, quem sabe eu não me torne real. Eu nem sofro. O meu desdem por tudo é tão grande que me desdenho a mim própria; que, como desprezo os sofrimentos alheios, desprezo também os meus, e assim esmago sob o meu desdem o meu próprio sofrimento.

Havia certo desconserto em sua voz.

_ E o que há de tão mal em não seres real? Não é preferível nada ao invés da dor? - Perguntou a mulher agora olhando para Sophie.

_ Tenho febre, tenho ânsia, não tenho fome e como, não tenho sede e bebo. Do irreal resulta a impotência; o que não somos capazes de conceber não podemos dominar.

_ Gasta-te na procura de coisas de que realmente não gosta. Outros gozam para viver, inutilmente. São todos moribundos, um bando de indigentes. Mas me diga, que fazes então para tentar sentir-se real?

_ Conhecidas máscaras do teatro pessoano face à dimensão trágica da existência. .Minto para mim mesma e torço para que me acreditem, já fiz a vitima, a devassa e a ameaça. Corro, caio, levanto, espero morrer e só encontro a inércia.

_"Os que não crêem não te podem ver.
A ti só haverá o céu noturnal
O sol não mais te trará conforto.
Desperta-te mortal!
Há muito já te vejo
Não mais morre quem já está morto." - Diz a mulher em tom profetico.

_ Quem és tu mulher? - Diz Sophie assustada.

_ Para o sangue, sou o veneno
Eu mato, eu como, eu dreno
Para o resto da vida, sou extremo
Sou o gosto do azedo
A explosão de um torpedo
Contaminação do medo
Eu guardo o seu segredo
Sou o HIV que você não vê
Você não me vê
Mas eu vejo você
Sou seu eu sem você.

_ O que devo fazer então?

_ Esperas. Depois do caos a ordem há de vir, onde há água há seca. Não te desespere.

_ O que quer dizer com isso? - Diz Sophie com resquícios de esperança.

_ Há outrem, do outro lado do espelho, passando pelo caos do sentir. Muito sente, muito quer, muito sofre. Quando for a hora a desordem se desfará, o espelho se quebrará e juntos serão um. Serão paz,o conforto e o impossível.

[...]

Segure minha mão e olhe para os meus olhos.
Hoje Sophie está lúcida, como se estivesse para morrer, pois ainda atropela-se tentando explicar como é possível o paraíso em vida.

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

A penny for a thought



Cada vez mais me pareço com a figura do "homem da suspeita", o homem que não duvida apenas, mas transcede a dúvida, suspeita sistematicamente e sobretudo das evidências, das coisas que apresentam de forma definitiva, das coisas claras; suspeita da parcialidade daquilo que vê, daquilo que as ciências apresentam como definitivo. Por isso é o homem da atenção, irreverente por vezes. É também o homem da ironia diante das teorias seguras, pois é seguro de que nada é seguro (?), seguro de que todas as posições dogmáticas são também parciais.

Há um isoformismo entre as estruturas lógicas matemáticas e as estruturas do pensamento mais evoluídas.
E se a preocupação é a construção do conhecimento, a afetividade é essencial como motivação, como energética da ação, mas não constituí explicação das estruturas.

É intrigante como as pessoas fazem da ignorância sua principal virtude. Diga-se, o enlevo, certas vezes, surge em razão de uma atitude voluntária do sujeito, patologia que o consome vorazmente em termos culturais, em cada ato do ser humano, em cada valor cultivado pela sociedade em seu conjunto.

Disso, eu sei, é que muitas vezes, ela não é uma escolha para o individuo, mas uma condição social.
Mas o que venho aqui a difundir é a respeito da lógica como mecanismo de defesa. A utilização da racionalidade como esconderijo do âmago.

Se a epistemologia é genética, é necessário descrever a história do conhecimento, a nível ortogenético, como uma espécie de "embriologia mental', desde o momento mais primitivo até fases superiores. Etapas sucessivas, por uma construção sequencial, onde cada estágio é necessário para o seguinte, sem saltar etapas.

A negação é um mecanismo de defesa que ajuda a reduzir a ansiedade e torna uma situação ameaçadora mais tolerante.
Entretanto, muitos indivíduos infectados pelo "mal da psicossomática" apresentam apenas uma prática de racionalidade leve ou simplesmente não a apresentam.

Isso tudo é um pouco da falência do nosso sistema de associação do "em si" e o "para si". A racionalidade (no sentido que aqui discorro) torna-se uma fuga dos dogmas caminhando incessantemente" até um outro tipo de dogma. Rumo ao "sólido", "útil" e "prático".


"Que a lógica seja o espelho do pensamento; e não o inverso."


Note-se que, os escritos aqui presentes caminham no espaço cúbico de um umbigo. Escrevo, critico, questiono, faço escapar meu eu; em mim.

Sorrio para a vida, como nunca antes.

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Raso




Um problema generalizado em nosso desfavorável círculo social, as pessoas se mostram tão profundas quanto sua idéia de liberdade apenas sustentada por meio de suas roupas. Não existe desenvolvimento de idéia, não existe planejamento, não existe argumentação. São curtos e fúteis para facilitar os comentários e o processo de degradação.
Nós, seres humanos procuramos entender a causa de todas as coisas (seja por religião, metafísica, ou qualquer tipo de ciência) , e eu não poderia ser diferente, sou do tipo que sacrifica/sacrificaria meu próprio bem estar apenas para ter um entendimento um pouco melhor sobre as coisas, e a única maneira para isso é viver, degustando cada sabor distinto que os sentimentos nos proporcionam, do mais doce ao mais amargo, é preciso saborear sem medo e se possível, sem fazer caretas.
Não acredito na existência de algo realmente aleatório. Causa e conseqüência são fatores que regem tudo o que existe. O que pode acontecer e acontece com imensa freqüência é não percebermos qual foi a causa ou mesmo não poder medir a conseqüência. Aleatoriedade é uma forma de dizer que nem mesmo os cientistas mais sem vida do mundo conseguem analisar todos os eventos que geram uma conseqüência complexa.

Sinto algo que foge de qualquer definição de aleatório, incerto. Experimento o mais delicioso dos sentimentos, o que me fez cair em contradição com boa parte das coisas que disse ao percorrer de meus poucos anos de vida, e eu honestamente nunca fui golpeada tão adoravelmente. Mas o caos, o maldito caos continua ali.. em estado sólido junto a todo restante. Tudo parece cedo, precoce... mas sinto a última liga se firmando, e ou eu re-sublimo tudo agora...ou o silêncio; nenhuma palavra do que disse até hoje será diferente de nada.